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Brexit acontece às 23h desta sexta-feira, 31 de janeiro (20h no horário de Brasília)Imagem: iStock

Brexit: o que a União Europeia ganha com a saída do Reino Unido, seu membro incômodo

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"Você tem de saber que se tivermos de escolher entre a Europa e o mar aberto, sempre escolheremos o mar aberto."

A famosa frase foi dita por Winston Churchill, ex-primeiro ministro britânico - considerado por muitos como um herói nacional - ao general francês Charles de Gaulle em 1944, segundo o historiador Julian T. Jackson.

Mais de 70 anos depois, esta frase parece estar mais atual do que nunca.

Em 23 de junho de 2016, a maioria dos britânicos votou em um plebiscito pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Após três anos e meio e muitas idas e vindas, o divórcio será finalmente consumado às 23h desta sexta-feira, 31 de janeiro (20h no horário de Brasília).

'Um pé dentro e um fora'

Inicialmente relutante em fazer parte de uma instituição que integrava economicamente o Velho Continente, o Reino Unido finalmente ingressou na Comunidade Econômica Europeia (CEE) em 1973, embrião da atual União Europeia, 16 anos após ela ter sido criada com a assinatura do Tratado de Roma, em 1957.

A decisão dos britânicos foi tomada quando a CEE passava por um boom econômico, enquanto a economia britânica estava estagnada.

A adesão não ocorreu sem percalços. Charles De Gaulle vetou dois pedidos feitos pelos britânicos, em 1961 e 1967. Mas após sua renúncia à Presidência francesa, em 1969, o Reino Unido enviou um terceiro pedido, que acabou sendo aprovado.

Desde seus primeiros anos como membro de pleno direito da CEE, o Reino Unido sempre manteve um pé dentro e outro fora.

Para muitos, os britânicos nunca acreditaram realmente na integração europeia completa pelo euroceticismo da sua classe política e seu povo.

Em 1985, os britânicos não aderiram ao Acordo de Schengen, que aboliu os controles nas fronteiras, nem em 1988 à União Econômica e Monetária (UEM), pela qual a maioria do bloco adotou o euro como moeda.

Além disso, apenas dois anos depois de ingressar na então CEE, o Reino Unido realizou um plebiscito, o primeiro da história do país, sobre sua permanência na instituição. Naquela época, a grande maioria da população apoiou a ideia.

Mas o amor dos britânicos pela Europa durou pouco.

'Quero meu dinheiro de volta'

Antes de se tornar primeira-ministra, Margaret Thatcher (1979-1990) promoveu uma maior integração econômica com o continente. Mas depois de se tornar inquilina do número 10 de Downing Street (a residência oficial do premiê em Londres), suas posições mudaram radicalmente.

Em 1980, a Dama de Ferro pediu à CEE para ajustar as contribuições de seu país e ameaçou reter pagamentos de imposto sobre valor agregado, se não o fizesse, com uma frase que transpareceu na história: "Queremos nosso dinheiro de volta".

"Seria um grande alívio se o Reino Unido deixasse a CEE", disse o então presidente grego da época, Andreas Papandreou, na tensa cúpula de Fontainebleau, em 1984, em que Thatcher finalmente alcançou seu objetivo.

Ela negociou o que seria chamado de "cheque britânico", uma espécie de reembolso - baseado em um cálculo complexo - que o Reino Unido recebe da União Europeia.

Naquela época, o Reino Unido lutava para sair de uma crise, mas era um dos países que mais contribuía para o orçamento comunitário.

E mais de dois terços do orçamento europeu eram destinados à Política Agrícola Comum, da qual o Reino Unido se beneficiava pouco, diferentemente da França, por exemplo.

O episódio deteriorou as relações entre o Reino Unido e outros países da CEE e ainda desperta polêmica.

Brexit nasceu em Bruges

Em 1986, com a Espanha e Portugal recém-integrados ao projeto europeu, os 12 membros do bloco assinaram o Ato Único Europeu, a primeira grande revisão do Tratado de Roma.

Esse novo documento procurou criar um "mercado interno" na Europa, com livre circulação de pessoas, bens e serviços.

Mas no Reino Unido, tudo isso foi visto com desconfiança.

Os ministros das Relações Exteriores da França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha e Itália assinaram dois tratados vitais em Roma para a criação da atual União Europeia.

Margaret Thatcher fez um controverso discurso em Bruges (Bélgica) em 1988 que transformou para sempre o debate sobre a Europa no Reino Unido.

Em seu discurso, a premiê alertou para uma suposta intenção da Europa de eliminar a soberania nacional de seus membros e concentrar o poder em suas instituições.

"Não revertemos com sucesso as fronteiras do Estado no Reino Unido para vê-las reinseridas no nível europeu, com um superestado europeu exercitando um novo domínio de Bruxelas."

Quatro anos depois, o Reino Unido decidiu abandonar o Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio, que daria vida ao euro.

Em seu livro Statecraft: Strategies for a Changing World (A arte de governar: Estratégias para Mudar o Mundo, em tradução livre), Thatcher argumentou que a moeda única europeia era uma tentativa de criar um "superestado" e previu que ela fracassaria "econômica, política e socialmente".

E em 1995, entrou em vigor o Acordo de Schengen, um tratado internacional por meio do qual vários países europeus aboliram os controles entre suas fronteiras internas, e o Reino Unido também não quis participar deste projeto.

A polêmica expansão

Se houve um aspecto da UE que sempre interessou ao Reino Unido desde o início, esse foi o mercado comum - e, quanto mais ele crescia, melhor se tornava para os britânicos.

O governo trabalhista de Tony Blair se tornou um dos grandes impulsionadores de uma expansão do bloco para o leste do continente e, graças à influência britânica e à aprovação alemã, o número de membros da UE passou de 15 para 25 em 1º de maio de 2004, com a incorporação da Polônia, República Tcheca e países bálticos, criando assim um espaço político e econômico de cerca de 450 milhões de pessoas.

A expansão foi alvo de muita polêmica, pois foi a maior da história da organização.

A maioria dos Estados-Membros estabeleceu um período de transição de sete anos antes de abrir suas fronteiras aos trabalhadores dos novos membros do bloco, com exceção da Irlanda, Suécia e Reino Unido, que as abriram imediatamente e sem restrições.

Essa medida controversa fez com que muitos britânicos, especialmente entre as classes socioeconômicas mais baixas, sentissem que estavam sendo "invadidos" por um contingente de trabalhadores que recebiam menores salários e tiravam seus empregos, sentimento que seria explorado pelos eurocéticos.

'Chegou a hora dos britânicos opinarem'

De acordo com um estudo realizado pela Unidade de Pesquisa sobre Migração do professor John Salt, da University College de Londres, uma das mais prestigiadas do Reino Unido, 129 mil migrantes do chamado grupo EU8 - que inclui Polônia, Hungria, República Tcheca, Estônia, Lituânia, Letônia, Eslováquia e Eslovênia - entraram no território britânico entre 2004 e 2005.

Essa onda migratória exacerbou a retórica antieuropeia no Reino Unido e, juntamente com a crise financeira de 2008, que atingiu a economia britânica e o resto do continente, lançou dúvidas sobre a permanência do país na UE.

Após 13 anos de governos trabalhistas, o Partido Conservador, então liderado por David Cameron, venceu as eleições em 2010, e, em janeiro de 2013, o ex-premiê disse que era "hora de os britânicos opinarem" sobre o assunto.

Com essa filosofia e buscando a reeleição em 2015, Cameron baseou sua campanha eleitoral na promessa de organizar um plebiscito sobre a permanência de seu país no bloco.

E apenas um ano após sua vitória, ele a cumpriu, acreditando que os britânicos votariam pela permanência na UE. Estava enganado - e acabou tendo que renunciar.

'Uma oportunidade para a UE'

Para Jean Pierre Maury, vice-diretor do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas de Paris, o Reino Unido nunca esteve "completamente" na UE.

"Ele ingressou em uma parte do bloco: a relacionada ao livre comércio. Mas ele sempre se sentiu desconfortável com uma maior integração", disse ele à BBC Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

Maury diz acreditar que após o Brexit "nos daremos conta de que o Reino Unido estava atrasando o progresso do bloco" e, embora lamente a saída dos britânicos da UE, sugere que a integração será mais fácil sem os britânicos.

Segundo um estudo publicado em 2014 pela empresa Deloitte, 40% das multinacionais com sede na Europa escolheram Londres para montar sua sede ou simplesmente abrir um escritório, seguido por Paris (8%), Madri (3%), Amsterdã e Bruxelas (2,5% cada).

Com o Brexit, a UE não apenas perde um membro, mas também sua segunda economia mais importante, que representa cerca de 15% do seu PIB e que contribui com mais de US$ 13 bilhões por ano ao seu orçamento.

Também perde um país com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e, um Estado cuja capital, Londres, é um dos maiores centros financeiros do mundo.

No entanto, líderes continentais - como o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe - veem o Reino Unido deixando o bloco como uma ocasião para fortalecer a competitividade de seus países e atrair empresas atualmente instaladas em Londres.

"A França tem uma oportunidade única, aproveitando o potencial do nosso centro financeiro, de fazer de Paris o principal centro financeiro europeu após o Brexit", disse Philippe em discurso na capital francesa em 2017.

As autoridades holandesas e alemãs expressaram desejos semelhantes em relação a Amsterdã e Frankfurt, respectivamente.

Outra vantagem do Brexit para os outros países da UE, segundo Maury, é que, com medo da organização esfacelar, seus líderes serão forçados a comunicar objetivos mais claramente aos seus cidadãos e estabelecerão melhor suas prioridades, o que poderia reforçar seu caráter democrático.

Mas o futuro não será fácil, devido, sobretudo, à ascensão do populismo no continente.

A partir do Brexit, haverá um período de 11 meses, durante o qual Reino Unido e União Europeia terão que definir como será sua relação no futuro. Todos concordam que o mais benéfico seria um divórcio amigável. Não está claro que isso de fato acontecerá.