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Almirante Fernando Melo Gomes
© Reinaldo Rodrigues /Global Imagens

Abate do navio Bérrio. "É catastrófico, um desastre anunciado", diz ex-Chefe da Armada

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O ex-Chefe de Estado-Maior da Armada, Melo Gomes alerta para o desinvestimento na manutenção dos navios da Marinha e antevê que, tal como o reabastecedor NRP Bérrio, outros possam a ter que ser abatidos em breve.

"É catastrófico, um desastre repetidamente anunciado", reage Melo Gomes, Almirante que liderou a Marinha portuguesa entre 2005 e 2010, à notícia do abate iminente do NRP Bérrio, o único navio reabastecedor logístico das Forças Armadas. Conforme o DN noticiou esta quarta-feira (29 janeiro), a Marinha viu frustrada a sua intenção de reparar o navio, já com 50 anos, e prolongar a sua vida por mais uma década.

Sem alternativa programada, fica com a sua capacidade de projeção drasticamente limitada - deixa de ser possível apoiar navios fora das águas do território continental, por exemplo em casos de emergência civil nas regiões autónomas ou em reabastecimento de navios em missões de longa distância.

O ex-Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA) sublinha que esta situação "é catastrófica para a nossa capacidade de intervenção" pois "inibe a Marinha de projetar poder para distâncias além das nossas águas e deixa de ser possíveis missões como aquela, em 1998, de resgate de 1200 pessoas da Guiné Bissau ou a operação de emergência na Ilha das Flores". Melo Gomes que também foi comandante da European Martime Force (uma forma de reação rápida dedicada a operações humanitárias e missões de paz), acrescenta que sem o Bérrio "a Marinha não vai conseguir sequer manter os padrões de treino para reabastecimento no mar, que só vão ser possíveis com apoio de parceiros ou da NATO, embora seja muito difícil pois os reabastecedores são escassos".

O ex-CEMA lamenta que se tenha chegado a este ponto de "rutura" quando "foi repetidamente anunciado e o poder político alertado. Mas não acreditaram e o resultado está à vista!". Melo Gomes revela que o Bérrio "não ia à doca seca para manutenção e reparação há 12 anos, quando normal é ir de 4 em 4 anos, pelo menos". O problema, assinala, "é que não é só o Bérrio, vai acontecer com outros navios. Há fragatas que também ja ultrapassaram à muito os prazos de manutenção".

Manutenção "onerosa"

Este oficial superior não vê alternativa, a curto prazo, para substituir o Bérrio, tendo em conta que a Lei de Programação Militar (LPM) só prevê a compra de um navio polivalente logístico em 2027. "O problema é que a LPM não é mais que um registo de intenções de uma lei que não se cumpre. A aquisição de um navio desses já esteve também prevista na LPM quando eu era CEMA (2005/2010) e nessa altura as verbas para a manutenção dos navios era mais do dobro do que é atualmente", salienta. "Agora as pessoas não podem ignorar mais a situação catastrófica", assevera ainda, manifestando a sua "tristeza, angústia e uma certa sensação de injustiça na avaliação do que a Marinha e as Forças Armadas têm feito pelo país".

Questionado pelo DN sobre o cumprimento do calendário de manutenções, o porta-voz oficial da Marinha, garante que "a Marinha tentou sempre cumprir com o plano de manutenção do navio. Porém, a obsolescência logística dos seus equipamentos e o fim de ciclo desta classe de navios na Royal Navy, causou a disrupção da cadeia de fornecimento de sobressalentes e de outros componentes, tornando a manutenção do Bérrio extremamente onerosa".

Esta fonte oficial lembra que "este ano, 2020, o NRP Bérrio atinge os 50 anos de atividade, ultrapassando a idade média de vida útil destes navios" e que "atualmente, dos 5 navios da classe "Rover", só o NRP Bérrio e o KRI Arun (903), da Marinha da Indonésia, se mantêm ativos". O porta-voz adianta que "a Marinha continua a procurar soluções que minimizem o impacto da falta de um Reabastecedor de Esquadra, no curto prazo, e mantém-se muito empenhada no projeto de construção de um navio reabastecedor, como previsto na Lei de Programação Militar (LPM)".

Lembra ainda que "quando o NRP Bérrio foi adquirido à Royal Navy, em 1993, já tinha 23 anos de serviço". Esta solução, assinala, "era transitória, na perspetiva de se conseguir introduzir na LPM, a aquisição de um novo navio reabastecedor. Porém, essa intenção apenas foi possível materializar na anterior LPM (2015) e confirmada na nova, aprovada em maio de 2019".

PCP aponta "falha grave"

O deputado do PCP, António Filipe, que integra a Comissão de Defesa Nacional do parlamento, avançou ao DN a sua intenção de questionar o governo sobre este abate do único navio reabastecedor e discutir a situação na Marinha na próxima reunião da Comissão. "Parece-me óbvio que houve uma falha grave na LPM, pois se só está previsto para 2017 era preciso ter a certeza que o NRP Bérrio iria aguentar até lá. Não se percebe como é que a Marinha na definição das suas prioridades para a LPM não previu esta situação".

Questionado sobre se acompanhou este processo de decisão para abate do navio, o ministério da Defesa nega. "A decisão foi da Marinha", responde o porta-voz oficial. Esta fonte oficial do gabinete de Gomes Cravinho, diz também que "devem ser diretamente colocadas à Marinha" as questões enviadas pelo DN sobre os motivos para o navio ter chegado aquele ponto de rutura, sem uma alternativa preparada. Sobe que soluções estavam a ser pensadas o Ministério diz que "não é competência do MDN identificar soluções para uma questão operacional da Marinha".

O NRP Bérrio foi construído nos estaleiros Swan Hunter em Wallsend-on-Tyne no Reino Unido e foi lançado à água a 11 de novembro de 1969. Entrou ao serviço da Royal Fleet Auxiliary (RFA) em 15 de julho de 1970. Foi adquirido e aumentado ao efetivo dos navios da Armada Portuguesa em 31 de março de 1993, com o objetivo de substituir o NRP São Gabriel, tendo sido batizado com o nome NRP Bérrio. Tem 86 tripulantes.

Herdou o nome de uma das caravelas da frota de Vasco da Gama quando este descobriu o caminho marítimo para a Índia. Chamou-se "Bérrio", por ter sido comprada a D. Manuel Bérrio, um piloto natural de Lagos muito considerado no reinado de D. Manuel.

Segundo a Marinha, trata-se de um "navio fundamental para a sustentação de uma Força Naval no mar garantindo apoio logístico a diversas Forças Navais nacionais ou aliadas. Por rotina, participa em exercícios nacionais e internacionais, sendo fundamental para o treino e aprontamento de outras unidades navais".

(Atualizado às 20h20 com a resposta do Ministério da Defesa)