"Se não fossem os trabalhadores da Função Pública o país tinha colapsado"
A dias de abandonar o cargo de secretário-geral da CGTP e no dia em que se realiza uma greve nacional da Função Pública, acompanhada de uma manifestação, Arménio Carlos é o entrevistado do Vozes ao Minuto.
by Mafalda Tello Silva com Beatriz VasconcelosNo dia 15 de fevereiro, Arménio Carlos deixa o cargo de secretário-geral da CGTP. Ao fim de dois mandatos e de 35 anos a trabalhar no movimento sindical, o militante do PCP desde 1977 volta ao seu posto de trabalho, como eletricista, na Carris.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Arménio Carlos faz duras críticas à proposta do Orçamento do Estado para 2020 (OE2020) apresentada pelo Governo socialista, considerando que é "desequilibrado", "injusto" e "desrespeitoso".
Apontando ao Executivo liderado por António Costa "uma visão economicista que persiste em sobrepor-se àquilo que é a importância de responder às necessidades laborais e sociais da população", o secretário-geral da CGTP prevê um ano complicado para os socialistas caso não reconheçam as competências e valorizem os trabalhadores, sobretudo através de um aumento extraordinário nos salários da Administração Pública. Se houver uma falta de entendimento sobre esta matéria entre sindicatos e Governo, o colapso dos serviços públicos é, na opinião de Arménio Carlos, a consequência natural que daí resulta.
Ao Notícias ao Minuto, o sindicalista garante, contudo, que abandona o cargo sem arrependimentos, mas sem a vitória da revogação das normas gravosas na lei laboral. As maiores conquistas vão para o entrave à obtenção da maioria absoluta do Governo PSD/CDS e para a "credibilização" da CGTP.
Reafirmando que não exercerá nenhum cargo político no futuro e que o regresso à Carris é um ato simbólico que deixa à sociedade portuguesa, aos 64 anos, Arménio Carlos promete que não deixará de manifestar a sua opinião depois de deixar a liderança de uma das mais relevantes estruturas sindicais do país.
Considera que as preocupações que os sindicatos tiveram oportunidade de comunicar ao Governo estão refletidas neste Orçamento do Estado?
Uma grande parte delas não, em particular, aquelas que têm que ver com salários, carreiras, investimento público e melhoria dos serviços públicos. Estas são questões estruturantes que continuam sem resposta.
As contas certas para a União Europeia podem-se transformar nas contas erradas para as políticas nacionais
Uma das principais polémicas está relacionada com os aumentos salariais. Na sua opinião, em que é que o Governo está a falhar?
Está a falhar ao manter a política laboral de direita. A meu ver, esta é uma das grandes falhas deste Governo. Por outro lado, este Executivo continua focado - depois da redução do défice - no excedente orçamental. Claro que o Governo pretende apresentar um conjunto de pressupostos a Bruxelas mas, as contas certas para a União Europeia podem-se transformar nas contas erradas para as políticas nacionais. O que nós constatamos é que, ao longo dos últimos tempos, tem aumentado o descontentamento e a indignação dos trabalhadores da Administração Pública e a contestação da população relativamente aos serviços públicos, que são fundamentais para a sua qualidade de vida e que continuam a estar a níveis muito abaixo daquilo que seria justificável, desejável e exigível. Estas são, entre outros, assuntos a que o Governo até agora não respondeu e que, se porventura não o fizer em tempo útil, levará a que a contestação aumente progressivamente.
Portanto, considera que há uma ligeira obsessão com o excedente orçamental?
Sem dúvida alguma. Continuamos a ter situações de uma visão economicista que persiste em se sobrepor àquilo que é a importância de responder às necessidades laborais e sociais da população. Não há coesão social ou territorial ou melhoria da qualidade de vida das pessoas se não for assegurado: estabilidade e segurança no emprego; uma justa distribuição da riqueza com um aumento significativo dos salários; horários regulados - já agora, numa perspetiva de redução para o período normal de trabalho de 35 horas sem redução de salário, considerando que este é um elemento estruturante para articular a vida profissional com a vida pessoal e familiar e um contributo para o aumento da demografia e natalidade em Portugal -; e, por fim, a importância da liberdade sindical e dos trabalhadores poderem exercer sem constrangimentos ou condicionalismos os seus direitos individuais e coletivos nas empresas.
Esta manifestação é inevitável. O Governo não consegue explicar a ninguém, mas rigorosamente a ninguém, como é que, depois de mais de 600 mil trabalhadores não terem qualquer tipo de atualização salarial nos últimos 10 anos, são agora confrontados com uma atualização de 0,3%
De que forma é que a liberdade sindical não está assegurada?
O que nós hoje temos é um problema em que se põe em causa a liberdade sindical. Ou seja, temos milhares de empresas do setor privado que impedem a entrada do sindicato dentro das suas instalações, o que põe em causa o princípio fundamental de representação e do direito de negociação. Para haver negociação tem de haver duas partes: a patronal e a sindical. Se a parte sindical é impedida, os trabalhadores, que já são o elo mais frágil da relação de trabalho, ainda ficam mais vulneráveis porque não se podem organizar ou manifestar, acabando por ficar condicionados a lutar para melhorar as suas condições de vida. Estas são questões de fundo que temos de ter presentes, neste momento, e que são essenciais para responder à tal qualidade de vida de que todos precisamos. Até agora, isto tem sido secundarizado e não pode.
Se não fossem os trabalhadores da Administração Pública o país tinha colapsado
Acredita, então, que a greve e manifestação de hoje é inevitável?
Sim, esta manifestação é inevitável. O Governo não consegue explicar a ninguém, mas rigorosamente a ninguém, como é que depois de mais de 600 mil trabalhadores não terem qualquer tipo de atualização salarial nos últimos 10 anos, são agora confrontados com uma atualização de 0,3%. É desrespeitoso, particularmente para os trabalhadores que em períodos críticos da vida nacional tiveram um papel preponderante para impedir o colapso dos serviços públicos. Estou a falar, concretamente, do período da troika em Portugal. Se não fossem os trabalhadores da Administração Pública (AD) o país tinha colapsado. Quando esta noção não é considerada e, ao mesmo tempo, é justificado que não há um aumento extraordinário salarial devido a falta de verbas ou pelo peso que representa no OE, enquanto o Governo avança com uma verba de 2,1 mil milhões de euros para as Parcerias Público Privadas (1,5 mil milhões de euros) e com uma injeção para o Novo Banco (600 mil milhões de euros), é caso para afirmar que o problema não é o dinheiro é a forma como é distribuído e aplicado.
Portanto, há aqui uma confirmação de que o peso dos grupos económicos, a sua influência, e a pressão que exercem sobre o Governo está a resultar. Com ainda mais uma agravante, no caso das PPPs, que se reflete nos juros que estão a ser pagos aos privados. Em média, andam na ordem dos 6%. Nós não conhecemos nenhum banco que pague juros desta natureza mas, em Portugal, continuam-se a pagar. O que se justificava, neste caso em concreto, era, em primeiro lugar, uma renegociação das condições para a manutenção destas parcerias e, em segundo, que o Governo assumisse as responsabilidades sociais do Estado e o investimento na área da Saúde. É que se não for este o caminho escolhido, o Governo ficará sempre refém dos interesses dos grupos económicos que a qualquer momento podem determinar várias situações que podem ser lesivas para o país.
Este OE é, por um lado, desequilibrado e, por outro, injusto e desrespeitoso
Como por exemplo?
Neste momento discute-se a construção do aeroporto do Montijo. Independentemente de ser ou não o local indicado para a instalação desta infraestrutura civil, há, contudo, um dado que é importante ter em conta. Foi o próprio ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, que reconheceu que a concessão da ANA por 50 anos à VINCI foi um negócio péssimo para o Estado português. Agora, devido a este negócio, a VINCI exige um conjunto de pressupostos para fazer o seu trabalho. Cá está, o Governo tem de estar de mão estendida para tentar convencer uma multinacional a dar resposta a várias situações que estão interligadas com o desenvolvimento do país.
Apesar de existirem muitos outros, este é um pequeno exemplo que demonstra que estas são matérias que confirmam que este OE é, por um lado, desequilibrado e, por outro, injusto e desrespeitoso. Se analisarmos este OE à lupa, verificamos que é uma peça orçamental de máximos para os grupos económicos e financeiros, designadamente para com o Novo Banco, e é abaixo dos mínimos para os trabalhadores e outras camadas da população.
Acha que a Esquerda deveria ter tido outra posição na votação na generalidade do OE?
Não, acho que a posição tomada pelos partidos à esquerda do PS foi correta porque, se estamos numa fase de negociação, a abstenção deu-lhes força negocial para poderem ir mais longe. Agora, a CGTP entende que tem uma responsabilidade acrescida nesta nova situação política para, através do envolvimento e da participação dos trabalhadores, procurar exigir, com a sua ação, intervenção e reivindicação, que se avance significativamente em áreas laborais e sociais que até agora não tiveram resposta por parte do Governo.
Não há melhores serviços públicos sem reconhecimento das competências e sem valorização dos seus trabalhadores. O que podemos ter em pouco tempo é o Estado deixar, enquanto entidade empregadora, de ser um local atrativo
Mas há medidas neste OE positivas para os trabalhadores da Administração Pública…
Há sempre uma ou outra. Mas, de um ponto de vista macro do orçamento, não há uma resposta de fundo. O Governo avança com a disponibilidade de negociar as carreiras especiais. Mas subrepticiamente o que está perspetivado não é avançar esse processo numa ótica de evolução progressiva, numa conceção de valorização e respeito das profissões, é o contrário, é de condicionalismos e de eventuais discussões para reduzir direitos ou a evolução da progressão das próprias carreiras. Claro que ainda não foi apresentada nenhuma proposta, mas por aquilo que já lemos em termos genéricos do programa do Governo, não deve andar muito longe. Este é um exemplo do que não devia ser feito e do que está a ser feito.
E esta situação levanta outro problema. O Governo diz, e bem, que quer melhorar os serviços públicos. Até aqui tudo bem, estamos em sintonia. Mas não há melhores serviços públicos sem reconhecimento das competências e sem valorização dos seus trabalhadores. Ou seja, se as condições laborais não melhorarem nos serviços públicos, o que podemos ter em pouco tempo é o Estado deixar, enquanto entidade empregadora, de ser um local atrativo para os trabalhadores, levando também aos que ja estão lá a quererem sair à primeira oportunidade, aceitando outras ofertas de trabalho no setor privado por remunerações e condições laborais mais compensadoras.
A CGTP já ilustrou este cenário ao primeiro-ministro e ao Presidente da República. O problema é que todos dizem que temos razão, mas entre a razão e a concretização há uma grande distância. Nós não queremos que nos deem só razão, queremos políticas que correspondam objetivamente às questões que colocamos de forma a que atempadamente os problemas sejam resolvidos, porque, um dia, arriscam.-se a procurar trabalhadores e a não os encontrar.
Se esta alteração não avançar, os pensionistas vão ficar reféns de uma situação que não conseguem dominar, para a qual não conseguem contribuir, tornando-se, inevitavelmente, vítimas do Estado
E relativamente aos pensionistas, o aumento extraordinário de 10 euros para as reformas mais baixas é suficiente?
Não, é um aumento insuficiente embora seja uma atualização que confirma, desde logo, que o problema está na fórmula com que o Governo calcula as pensões. E é por isso que a CGTP já propôs ao Governo, imediatamente a seguir ao assunto OE estar fechado, uma discussão sobre a revisão da fórmula de cálculo das pensões. Porque a atual fórmula tenderá todos os anos a dar aquelas atualizações que foram anunciadas pelo Governo de 0,7% para as pensões mais baixas até aos 680 euros e depois 0,24% para as superiores. Isto tem de ser alterado. Até porque este cálculo também estabelece que, nos últimos quadrimestres, se o crescimento da economia não for igual ou superior a 2% não há nenhuma atualização das pensões.
Posto isto, a alteração da fórmula é fundamental para a CGTP mas tem de ser feita com tempo para se discutir propostas e apresentar contrapropostas, promovendo um diálogo com abertura. Se esta alteração não avançar, os pensionistas vão ficar reféns de uma situação que não conseguem dominar, para a qual não conseguem contribuir, tornando-se, inevitavelmente, vítimas do Estado.
Isto é um simulacro. O Governo convoca os sindicatos, apresenta uma proposta na primeira reunião e na segunda fecha a negociação. Este aumento [salarial] não é uma despesa. Pode ser introduzido na rubrica das despesas, mas tem de ser entendido como um investimento com retorno
Por diversas vezes já afirmou que este vai ser um ano de contestação social. Prevê falta de flexibilidade por parte do Governo?
Creio que qualquer Governo não depende apenas dele próprio e que tem de fazer acordos, alianças e ser minimamente flexível. Mas o que tem acontecido é que este Governo tem sido flexível numa lógica de mínimos e tem de ser, também, flexível na resposta aos problemas sociais do país, de ter uma solução mais global. Como é que se vai resolver o problema da precariedade em Portugal? Como é que se vai resolver o problema da desregulação dos horários ou da contratação coletiva? Isto é um simulacro. O Governo convoca os sindicatos, apresenta uma proposta na primeira reunião e na segunda fecha a negociação. Aliás, o Governo convocou agora uma reunião para dia 10 de fevereiro para os sindicatos da Administração Pública, o primeiro ponto é salários. Nós já dissemos ao Governo: a proposta que apresentou inicialmente pode e deve evoluir, mas deve chamar os sindicatos antes de dia 6 de fevereiro – data prevista para a votação do OE na especialidade – para se negociar e para se encontrar uma solução. Mantém-se a reunião de dia 10, nada temos contra. Mas, agora, se o primeiro ponto for salários, só há um entendimento que é o aumento extraordinário dos salários para este ano.
Este aumento não é uma despesa. Pode ser introduzido na rubrica das despesas, mas tem de ser entendido como um investimento com retorno. Porque melhores serviços públicos correspondem a uma melhor qualidade de vida e bem-estar das famílias. Fugir a esta questão é não querer enfrentar os problemas de fundo que existem hoje no país. Se este aumento for concretizado será estabelecido um clima de confiança e um rumo claro daquilo que se pretende para o futuro de Portugal. O défice e o excedente orçamental são importantes, mas como dizia alguém há uns anos [originalmente Jorge Sampaio, enquanto Presidente da República em 2003]: “Há mais vida para além do défice” e também há mais vida para além do excedente orçamental.
Quais são as suas maiores preocupações com a mudança do Governo da 'geringonça' para o atual?
Creio que, em termos sindicais, a maior preocupação prende-se com a continuação da política laboral de direita. Ou seja, temos uma estrutura de legislação de trabalho que foi imposta em 2003 e que na sua essência, não só se manteve, como na maior parte dos casos em que houve uma revisão se agravou contra os trabalhadores. A última revisão, feita pelo Governo em julho do ano passado, é um desses casos.
Aquilo que era apontado, inicialmente, como uma revisão da legislação laboral para combater a precariedade e para dinamizar a contratação coletiva transformou-se, depois de o documento aprovado, numa legislação que legitimou a precariedade, aprofundou a desregulação dos horários e contribui para desarticulação da conciliação entre a atividade profissional e a vida pessoal e familiar, tal como manteve a pressão sobre a contratação coletiva com a manutenção da norma da caducidade. Esta revisão, deu um sinal aos patrões de que podem continuar a seguir um modelo de políticas de baixos salários, de trabalho precário e de redução da retribuição dos trabalhadores.
Hoje, se não houver resposta para os salários e os outros problemas, aquilo que ontem era bem visto, começa a ser contestado. Ou seja, uma boa parte de quem apoiou um Governo socialista é quem hoje o está a contestar porque o processo não tem sido evolutivo e não há respostas
Fala de contestação social e de falta de respostas. Acha que o Governo tem condições para ir até ao final desta legislatura?
Dependerá das suas políticas. Na opinião da CGTP, o Governo ou tem em consideração aquilo que lhe transmitimos, aquilo que é a vontade de grande parte dos trabalhadores portugueses - e procura através da via do diálogo e da negociação programar a resolução dos problemas apresentados - ou manter-se-á a contestação social e o aumento da indignação e da luta. É de recordar, que nós saímos de um processo para que se retirasse maioria absoluta ao Governo do PSD/CDS, que levou a que este ficasse sem condições no Parlamento para governar. Na altura, isto implicou imediatamente uma mais-valia, que foi travar a continuação de redução de rendimentos e direitos aos trabalhadores e à população.
Depois, foi constituído um Governo minoritário do PS com entendimentos mínimos com outros partidos à sua esquerda iniciou-se outro processo e qualquer processo tem de ser evolutivo. Em 2016, tivemos a reposição de alguns direitos e rendimentos mas, a partir do ano seguinte, entrou numa fase de estagnação.
Hoje, se não houver resposta para os salários e os outros problemas, aquilo que ontem era bem visto, começa a ser contestado. Ou seja, uma boa parte de quem apoiou um Governo socialista é quem hoje o está a contestar porque o processo não tem sido evolutivo e não há respostas. Qualquer Governo que está no poder e não tem em consideração que tem de evoluir sempre nas suas políticas públicas para corresponder a necessidades óbvias da população é um Governo cuja manutenção vai-se fragilizando com o passar do tempo por falta de respostas.
E após todos estes anos a representar a CGTP, qual foi o melhor ministro das Finanças e do Trabalho com quem teve oportunidade de negociar?
A partir do momento em que um ministro não responde aos problemas estruturais, quer dizer… diálogo sempre houve, já os resultados ficaram sempre muito aquém daquilo que era exigido. Mas não quero acrescentar mais nada, não avalio pessoas avalio políticas.
E olhando para os seus dois mandatos, o que considera que ficou por alcançar?
Sem dúvida, na área da legislação laboral, a revogação das normas gravosas. Mas aquilo que não foi conseguido até agora tem de ser olhado de duas formas. A primeira, é que valeu a pena lutar porque travámos todo o processo que se perspetivava que levasse a um maior agravamento das relações de trabalho, caso o governo de coligação PSD/CDS se tivesse mantido no poder. E depois, o facto de não se ter alcançado até hoje a revogação das normas gravosas nada impede que a luta continue. Como em tudo na vida, não há dias definitivos, não há decisões eternas. Há decisões que hoje podem parecer impossíveis de serem alteradas. Contudo, a história já demonstrou que a intervenção e a luta dos trabalhadores torna possível aquilo que parecia impossível e, um exemplo disso, foi a queda do governo de Passos Coelho.
Se me perguntar se foi tudo certinho e se faria tudo igual digo-lhe: claro que não. Somos seres humanos e não somos perfeitos. Mas considero que nas grandes questões não houve falhas
E qual foi a maior vitória conquistada?
Creio que uma das maiores vitórias foi travar o processo de maioria absoluta ao governo PSD/CDS. Uma posição que reafirmámos antes das eleições de 6 de outubro apelando aos trabalhadores portugueses que não dessem maioria absoluta a nenhum governo e que também se concretizou. Isto é importante porque ajuda a própria ação e reivindicação dos trabalhadores, tornando mais forte a sua intervenção.
Por outro lado, dos momentos mais importantes que a CGTP viveu nestes dois mandatos foi ter tido sempre a resposta em tempo oportuno e com grandes mobilizações, quer no período da troika - nas lutas muito vastas que desenvolvemos com greves gerais e grandes concentrações - quer depois no mandato do Governo socialista, no qual tivemos várias conquistas, desde a reposição de rendimentos e direitos até em termos de contestação.
Outra questão que valorizo é a credibilização da CGTP, quer junto dos trabalhadores como da população portuguesa em geral, pela sua coerência, rigor, fundamentação, apresentação de propostas e alternativas.
Arrepende-se de alguma coisa?
De coisas graves, não. Se me perguntar se foi tudo certinho e se faria tudo igual digo-lhe: claro que não. Somos seres humanos e não somos perfeitos. Mas considero que nas grandes questões não houve falhas. Num outro caso, até com a experiência agora adquirida, se calhar fazia um desvio e não ia tanto a direito para atingir o mesmo o objetivo, mas isso é como tudo na vida. Olhando para trá,s há sempre uma ou duas coisas que se poderia ter feito melhor.
Independentemente de ter desempenhado ao mais alto nível, continuo a ser um trabalhador, um operário
Anunciou que irá voltar a trabalhar na Carris. Podendo-se já reformar, por que razão tomou esta decisão?
Acho que, com as responsabilidades que me foram atribuídas, tenho a obrigação de dar sinais à sociedade. Um desses sinais é de demonstrar que entrei no movimento sindical como eletricista, com a categoria profissional de operário-chefe, e que vou regressar à minha empresa com a mesma categoria profissional e durante algum tempo desempenhar esta função. Com isto, quero mostrar que ninguém está acima de ninguém e que, portanto, temos de ter humildade e saber-estar para exercer qualquer função. Independentemente de ter desempenhado ao mais alto nível, continuo a ser um trabalhador, um operário. Acho que devo regressar para demonstrar que mesmo quando se atinge determinados patamares não se deve ter problemas em voltar às origens. E, para mim, voltar às origens é regressar humildemente para estar ao lado dos meus colegas no local de trabalho. Quero ficar na Carris algum tempo e depois irei decidir quando me aposentarei.
Quero dar o sinal de que aqui nem há lugares vitalícios ou que o facto de se ter responsabilidades acrescidas no movimento sindical ou na CGTP dá o direito de nos sobrepormos aos outros. Temos de dar o exemplo. Tal como temos o princípio de que ninguém pode sair beneficiado nem prejudicado pela atividade que desenvolve - e que como os meus colegas, durante 10 anos, não tive qualquer atualização salarial - terminado o mandato acho que devo regressar à Carris.
Continuarei a ter uma opinião, a manifestá-la e a participar sempre que me convidem ou que me queiram escutar
É também por esse simbolismo que decidiu que não exercerá mais nenhuma função de responsabilidade política?
Há três anos, já se especulava que eu poderia vir a exercer funções partidárias. Depois de refletir muito sobre esse assunto, decidi logo, em 2017, acabar com esse tipo de discussão, entendendo que tinha de ser muito objetivo e claro. Portanto, tal como disse há três anos, quando deixar de exercer o cargo de secretário-geral da CGTP voltarei ao meu local de trabalho e continuarei a manifestar a minha opinião mas não exercerei nenhum cargo político com responsabilidades acrescidas. Ou seja, não me candidatarei a nenhum cargo ou órgão. Apenas continuarei a ter uma opinião, a manifestá-la e a participar sempre que me convidem ou que me queiram escutar.
E quem é que gostaria de ver como seu sucessor?
Temos vários camaradas muito bem preparados para exercer o cargo, mas isso ver-se-á quando chegar a altura.
Tem-se falado de que poderia ser uma mulher para reforçar o compromisso da CGTP com a questão da igualdade. Como é que encara esta ideia?
Com naturalidade...
Independentemente de quem for o próximo secretário-geral da CGTP, que conselho lhe deixa?
O mais importante é que próxima direção dê continuidade àquilo que é o trabalho de gerações e gerações que fizeram da CGTP a maior organização social portuguesa e uma das mais credibilizadas no plano nacional e internacional. Acima de tudo, neste momento, espero que tenha uma intervenção muito ativa de auscultar, que tenha sempre em consideração a vontade dos trabalhadores e que dirija todo o trabalho sindical de forma a que possamos construir uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais progressista.
Como é que isto se faz? Com muito trabalho, iniciativa e com muita capacidade reivindicativa. Em síntese, no que diz respeito à nova direção, espero que continue a dar resposta aos trabalhadores e a ter a capacidade criativa que é fundamental na intervenção sindical que os trabalhadores e o país precisam.
Leia Também: Função pública prevê forte adesão à greve nacional