A entrevista de Marcelo Odebrecht e a verdade sobre Lula: só a Lava Jato não viu o óbvio. Por Fernando Brito

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Porto Mariel

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO TIJOLAÇO

Marcelo Odebrecht é o delator-símbolo da Lava Jato.

Pouco tem a ganhar ou a perder, depois de ter firmado seus acordos de delação premiada e estar gozando de liberdade. Não tem, portanto, nenhum interesse em defender os governos petistas.

Por isso, sua entrevista à Folha deve ser lida com atenção e considerada como algo próximo à realidade dos negócios da empresa , aqui e lá fora, e sua relação com os governos.

O título, claro, apela à saída simples e torta de dizer que “Lula pediu para que a Odebrecht fizesse um projeto em Cuba“, para falar da única vez, conta ele, que houve uma interferência direta do ex-presidente. É a incrível propensão da imprensa brasileira de, quando interessa, escrever a verdade de forma a fazê-la parecer um crime.

Pois não é conquistar contratos e mercados o que se espera de qualquer grande empresa brasileira no exterior? Alguém acharia estranho se Lula tivesse pedido aos sul-coreanos que montassem uma fábrica de automóveis aqui?

De seu relato, tira-se que nem mesmo o único pedido de Lula se vinculava a uma obra específica – o que ele sugeriu foi a reconstrução de uma estrada destruída por um tufão – não foi atendido, mas reciclado: foi a própria Odebrecht que identificou e propôs a construção do Porto de Mariel, considerado mais rentável e capaz de gerar renda para pagar financiamentos que, afinal, seriam gastos no Brasil, com projeto e exportação de bens e serviços:

Isso começou porque Lula estava visitando o país, passou por uma estrada deteriorada e disse que tinha condições de ajudar. Era para fazer a estrada exportando serviços do Brasil, para gerar emprego, renda e arrecadação, e ajudar Cuba a desenvolver o projeto.
Fomos lá ver a estrada, mas um tufão havia passado e destruído Cuba. O governo cubano desprezou a estrada, queria casas. Mas a gente avaliou as oportunidades e identificou que o melhor para o Brasil, economicamente e do ponto de vista de exportação de bens e serviços, era fazer um porto em Cuba.
A obra de um porto tem muito mais conteúdo que demanda exportação a partir do Brasil. Para fazer uma estrada ou uma casa, em geral, é mais difícil fazer exportação. No caso de um porto, tem estrutura metálica, maquinário, produtos com conteúdo nacional para exportar do Brasil.
O porto também seria um gerador de divisas internacionais, o que ajudaria a pagar o financiamento. Vimos o porto como um local que ajudaria a economia de Cuba. E a nossa expectativa, que infelizmente acabou não se confirmando, até pelo esgarçamento da relação com o Brasil, era que mais empresas brasileiras poderiam se beneficiar do porto em si. Mas infelizmente essa parte ficou pelo caminho.

Por acaso, ao inverso, o Brasil recusaria algum grande projeto em que o financiamento fosse externo e condicionado à importação de maquinário ou outros bens e à realização da obra por construtoras de outro país?

Há dois anos, o governo chinês e o grupo Huayang criaram um fundo de US$ 3 bilhões, em boa parte para financiar projetos no Brasil. Será que não há, nele, expectativa de bons negócios para os chineses? Ou que não há, para nós, vantagem nisso, considerando a escassez de financiamento interno? Os chineses, acaso, estão agindo com “motivação ideológica” ou aproveitando a janela de oportunidade para negociar?

Outra informação importante:

Em nenhum momento, o dinheiro do BNDES vai para fora. Sempre fica no Brasil. Não é verdade dizer que o BNDES financiava projetos no exterior. O BNDES financiava conteúdo nacional, geração de trabalho no Brasil, que era exportado para o exterior.

Se sobre os juros baixos – comparados aos nacionais – destes contratos:

Se olharmos isoladamente como era no mercado brasileiro, sim, era distorcido. Mas sem elas não não tinha como o Brasil competir com a exportação de bens e serviços se todos os Exim do mundo praticavam outras taxas.
Não seria possível exportar bens e serviços praticando as taxas de juro e prazo que existiam no mercado brasileiro, a 20% ao ano. Não existe isso.

Ou seja, para competir lá fora, o crédito tem de ter um custo igual ao que há lá fora, do contrário é impossível a uma empresa brasileira disputar mercado com quem tem financiamento a um custo duas ou três vezes menores. O fundo chinês a que me referi oferece-o a 4% ao ano, taxa impensável no Brasil.

Perguntado se , então, estes financiamentos não poderiam ser obtidos em instituições estrangeiras, ele é claro: “Nós pedimos várias vezes. Usamos Exims [ eximbanks, bancos de exortação e importação], China, Coreia. Usamos as ECAs [linhas de crédito para exportações]da Europa. Mas, quando nós fazíamos isso, a exportação tinha que ser desses países. Então, a gente comprava produtos desses países, não do Brasil.”

Lula fazia, segundo o relato de Odebrecht, o que ele próprio dizia abertamente fazer: funcionar como um mascate no mundo, levando produtos e serviços brasileiros para o exterior e não como lobista de uma empresa em si:

A gente vivia um dilema com as viagens de Lula, porque ele vendia bem o Brasil. E na maior parte dos países, a gente já estava havia mais de dez anos, 20 anos. Muito antes do Lula. E éramos a única empresa brasileira.
A gente queria se beneficiar da ida do Lula para reforçar os links com o país e, por tanto, melhorar a nossa capacidade de atuar lá. Mas, ao mesmo tempo, quando Lula chegava ele não defendia só a Odebrecht. A gente se esforçava, passava notas para o Lula. O pessoal [da Lava Jato] achou várias das minhas notas. Porque a gente fazia questão de deixar claro o que a Odebrecht já fez em outros países para Lula, Dilma [Rousseff] e Fernando Henrique [Cardoso].

Há vários outros pontos na entrevista que desmontam totalmente a história de que Lula se envolvesse nos negócios em si ou que houvesse sobrepreço para obras em troca de favores políticos. Ou que Lula fizesse pedidos por estes favores. Ou que obras no exterior desviassem recursos de obras dentro do país.

A entrevista é o retrato de uma insensatez que destruiu o único setor, além da aviação – este entregue via Embraer – em que o Brasil competia no mundo com sucesso: a construção civil pesada.