Porque participam tão pouco os cidadãos nas Assembleias de Freguesia deste país?

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A falta de escuta activa e de responsividade ao nível autárquico é uma das razões para o enfraquecimento da nossa democracia e para a ascensão dos populismos radicais de Esquerda e de Direita que espreitam o regime no virar da esquina.

Recentemente estive numa Assembleia de Freguesia (no Areeiro, em Lisboa, mas o que vou contar poderia ter-se passado nas Caldas ou em Coimbra) e tudo se passou como se passa desde 2016 (ano em que comecei a intervir com alguma regularidade no momento de “intervenção do público"): assembleias pouco participadas, representantes eleitos (nem todos) que não estão atentos, conversando com o colega de carteira, navegando na Internet no seu telemóvel ou vasculhando qualquer documento que levem para a assembleia. A este deficit de atenção (que diminuiu apenas quando chamei especificamente a atenção para o mesmo numa destas intervenções e após esta admoestação ter ficado em acta) há que somar outro desrespeito igualmente grave aos cidadãos que intervêm nestas assembleias e que consiste na ausência de resposta.

A ausência de resposta de um membro do executivo da junta ou dos membros da Assembleia de Freguesia é particularmente grave porque as Juntas de Freguesia são, precisamente, a primeira instância de Democracia que os cidadãos conhecem, porque são também os órgãos democráticos mais próximos (em tese) dos cidadãos e porque a ausência de resposta (que cai não somente sobre o presidente ou vogais do executivo, mas sobre o presidente da assembleia e todos os demais eleitos) consubstancia uma violação do prescrito no artigo 86 do Código do Procedimento Administrativo (anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro) e do “prazo máximo para fornecimento de informação aos cidadãos recenseados na freguesia é de 10 dias”, que recorre em muitos regimentos de Assembleia de Freguesia deste pais, nuns casos com um máximo de 20, noutros com um máximo de 30 (!) dias, mas somando sempre (artimanha do Legislador) a expressão que empurra, de facto, a resposta dos eleitos para o infinito: “se outro prazo mais curto não for possível cumprir”. Por uma questão de decência e de respeito para com os cidadãos, esta excepção eternizante deveria ser proibida por força de lei, já que a maioria dos regimentos de juntas deste país não parecem revelar esse elementar bom senso. 

Apesar dessa conveniente cláusula (para os maus eleitos), o espírito da lei e do regimento é claro: aos cidadãos que intervenham (em geralmente cinco minutos, havendo assembleias que limitam essas intervenções a três minutos e outras que o fazem aos 30 minutos) cabe-lhes o direito a uma resposta clara, eficaz e respeitosa: não ao silêncio. Não à desatenção. Não a uma resposta “depois responderemos por email” (sendo que essa resposta pode nunca vir a acontecer). E se não houver nem resposta em assembleia nem, mais tarde, no tal prazo regimental (de 10, 20 ou 30 dias), não há qualquer penalização que se possa aplicar ao executivo ou aos eleitos da Assembleia de Freguesia que o violaram – e, como sabemos, estamos em Portugal, país onde ou “há pau” ou não há cumprimento da Lei, como demonstrou o episódio do experiente pescador da Aguda que, questionado sobre se os pescadores levavam colete salva-vidas quando saiam para o mar, respondeu: “Só se mete colete quando se está a sair ou a entrar. No mar tira-se o colete” (ou seja, fora da vista da Polícia Marítima a lei deixa-se de cumprir). De eleitos locais espera-se (exige-se) melhor: na falta do “pau” devem fazer sempre o que está certo e, neste concreto, o que está certo é responderem aos seus eleitores. E se não há “pau” (punição) devia haver...

Para além dos regimentos e leis por cumprir ressalta outra estranheza: os regimentos das assembleias de freguesia deste país tratam os eleitores como “público” (ver, por exemplo, o do Areeiro: “período para intervenção e esclarecimento do público"), termo que decorre directamente da transposição do 49.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, pelo que é responsabilidade directa não dos eleitos locais mas do Legislador (deputados da Assembleia da República). Mas os cidadãos não são um “público” amorfo e inerte que assiste de plateia o desempenho oratório dos seus eleitos em assembleia. Os cidadãos são eleitores e o foco da actividade dos seus eleitos, não merecendo serem tratados como se se tratasse de uma audiência passiva de uma opereta ou de um espectáculo de Vaudeville: não são “público" –​ são “cidadãos”.

Outra estranheza há que registar nas Assembleias de Freguesia deste país: a fraca participação dos cidadãos. Não é raro ver assembleias que se realizam sem cidadãos (não eleitos) na sala. E, quando vemos uma freguesia com 30 ou 50 mil eleitores vazia ou com dois ou três cidadãos ou com quatro ou seis (sendo metade avençados da junta ou outros eleitos substituídos da assembleia), sabemos que estamos perante a expressão de uma das doenças mais graves da nossa democracia: a subparticipação dos cidadãos. Apesar dessa estranheza não há sinais que esse vazio pareça incomodar particularmente os eleitos. Já coloquei várias vezes essa pergunta em assembleia (nunca tendo recebido resposta) e a outros eleitores e, nestes, pelo menos, obtenho o mesmo tipo de respostas: “é demasiado tarde; é à hora de jantar; não vale a pena porque não fazem nada e, claro, o mais comum, não vale a pena porque não respondem ou perdem/esquecem a pergunta”. Esta separação entre as expectativas dos eleitores e a atitude dos eleitos explica os níveis actuais de abstenção e a anomia ou desinteresse pela política da maioria dos cidadãos, porque este distanciamento local se propaga muito facilmente à participação nacional ou europeia dos cidadãos. A falta de escuta activa e de responsividade ao nível autárquico é uma das razões para o enfraquecimento da nossa democracia e para a ascensão dos populismos radicais de Esquerda e de Direita que espreitam o regime no virar da esquina.

Outras iniciativas poderiam ser tomadas pelos eleitos em Assembleias de Freguesia (AF) no sentido de as tornar mais eficientes e participadas:

  1. todas as datas, locais e horas das AF sejam calendarizadas no início do ano, tornando-as previsíveis e facilitando assim a sua divulgação.
  2. limitar ao mínimo indispensável as moções de índole nacional ou geral que extravasam as competências de uma Junta de Freguesia.
  3. e, no caso particular de Lisboa, onde a transferência de competências de 2016 dotou as juntas de competências e orçamentos comparáveis aos de algumas câmaras municipais, ​se promova uma alteração legislativa (via partidos representados na AF e no Parlamento) por forma a que as AF se realizem numa maior frequência que a actual (três meses) para que a hora de encerramento (geralmente pelas 24h) as torne mais acessíveis à maioria dos cidadãos e assim se permita um maior e mais intenso escrutínio do mandato por parte dos eleitos da AF.

Não pode haver Democracia de qualidade sem Democracia Local de qualidade. Importa assim, portanto, dinamizar e credibilizar esta forma (rara) de participação dos cidadãos na primeira e mais próxima instância de democracia: as Assembleias das Juntas de Freguesia deste país.