No Brasil, o povo sempre será vencido
by Paulo SalesParaisópolis enterrou seus mortos. Muito jovens, como quase sempre. Pretos e pobres, como quase sempre. O que se viu foi um massacre, uma execução, mas não houve comoção generalizada. O país permaneceu adormecido, letárgico, incapaz de reagir ao próprio embrutecimento. Numa nação que se pretende civilizada, esse episódio renderia a prisão imediata dos autores, a queda do chefe de segurança e um pronunciamento firme do governador repudiando o ato dos seus subordinados, além de um julgamento rigoroso e uma indenização milionária às famílias. Mas, bem, não estamos falando de uma nação civilizada. Na verdade, o Brasil sequer almeja ser civilizado um dia.
O que a polícia fez em Paraisópolis, jogando bombas, encurralando e agredindo pessoas, transformando as vielas numa ratoeira, é só uma amostra do que ela faz rotineiramente em comunidades miseráveis em todo o Brasil. Chega atirando, invade casas, mata cidadãos e acaba com qualquer possibilidade de uma vida normal. Em nome de que acontecem esses confrontos? Que hipotética guerra às drogas justifica tantas mortes de inocentes? Como é possível que uma cidade, um estado, um país não entendam que está tudo errado? As perguntas prosseguem: nos atuais moldes (truculência, despreparo, garantia de impunidade), qual o propósito da existência da polícia? Por que ela permanece tendo salvo-conduto para agredir, achacar e matar?
Mais do que uma prova da falência do modelo da polícia militar no Brasil, as mortes em Paraisópolis revelam uma incômoda semelhança dos dias atuais com os tempos da ditadura militar. Estamos vivenciando na prática um modus operandi maturado em 21 anos de brutalidade, arbitrariedade e autoritarismo. Um sistema sustentado pela inércia do poder público e dedicado ao extermínio. O que fazer, então, quando esse poder público se omite, ou busca tornar a situação ainda mais dramática, ao tentar aprovar o abjeto excludente de ilicitude? “Pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos”, já cantou Caetano.
Ao pensar sobre isso, me veio à mente uma velha canção do RPM que ouvi muito na adolescência, cujo refrão era assim: “No submundo repousa o repúdio. E deve despertar”. As massas, portanto, tomariam consciência da própria opressão e se levantariam contra o opressor. Paraisópolis e outras favelas Brasil afora se comportariam então como os moradores de Bacurau, repelindo invasores a bala e devolvendo a violência com mais violência. Não, a vida real não permite alegorias um tanto primárias como a do filme de Kléber Mendonça Filho.
Como diria Belchior, “a vida realmente é diferente, quer dizer: a vida é muito pior”. Quem sou eu, branco de classe média, para pedir a quem não tem quase nada que perca esse “quase” em confrontos dos quais sairá derrotado? Perdão pelo desalento, mas num país como o nosso, o povo – unido ou desunido – sempre será vencido.