Sou o tipo de negro com quem o presidente negro da Fundação Palmares não tomaria um café. Por Sacramento
by Marcos SacramentoCaro Sérgio Nascimento de Camargo,
Queria falar com você olhando nos olhos, mas além da distância espacial há outro empecilho.
Sou o tipo de pessoa com quem você não tomaria um café, pois na sua opinião sou um “escravo da esquerda”.
Tenho “QI baixo, distúrbio mental ou problema de caráter”. Sou uma “praga”, “parasita”, inimigo do povo” e “quero a sua desgraça”.
Concluo isso a partir dos seus posts no Facebook, onde ataca esquerdistas, ativistas do movimento negro e jornalistas.
Enquadro-me nas três categorias. Logo, sou o sujeito de quem você quer distância por “decência e necessidade de profilaxia moral e intelectual.”
Sim, escrutinei o seu perfil, para checar as declarações publicadas na imprensa após a sua nomeação como presidente da Fundação Palmares.
Para minha surpresa, não havia uma linha de exagero na matéria do jornal O Globo.
Admito minha ingenuidade por esperar algum resquício de sensatez em alguém nomeado por este governo deletério.
Esperava encontrar ao menos argumentações minimamente coerentes que justificassem a sua nomeação. Só vi ódio e ressentimento contra esquerdistas e ativistas.
Nenhuma proposição para mudar a realidade dos negros, nenhum mísero post capaz de produzir um debate útil.
Aliás, você não aborda a realidade. Não cita uma linha a respeito dos homicídios, cuja maioria das vítimas, mais de 75%, é negra.
Você chama o racismo brasileiro de “nutella” mas não explica por quê. Gostaria de saber por que você não vê racismo severo em uma sociedade de maioria negra onde mais de 80% dos juízes são brancos.
Queria a sua opinião a respeito da escassa presença de negros nos cargos de comando das grandes empresas ou entre a ínfima parcela da população que recebe R$ 16 mil por mês, valor que você passará a receber enquanto presidente da Fundação Palmares.
Gostaria de saber por que nunca tivemos um piloto de Fórmula 1 negro.
Você critica tanto a esquerda “lacradora”, Nascimento, mas não se dá conta de que a única coisa que fez na internet nos últimos meses foi “lacrar”. Jogar palavras vazias para o deleite dos seus seguidores.
É muito fácil, meu caro, usar palavras chulas para criticar décadas de lutas, diálogos e construções do movimento negro.
Usar apenas a opinião sem respaldo teórico para tentar desqualificar a intelectualidade negra, sem qualquer compromisso com fatos e com a proposição de ideias.
Falando em intelectuais negros, recentemente li um que explica exatamente a sua conduta, Nascimento.
Impossível não lembrar deste trecho da obra “Racismo Estrutural”, de Silvio Almeida, ao ver as suas postagens furiosas.
“Pessoas negras podem reproduzir em seus comportamentos individuais o racismo de que são as maiores vítimas. Submetidos às pressões de uma estrutura social racista, o mais comum é que o negro e a negra internalizem a ideia de uma sociedade dividida entre negros e brancos, em que brancos mandam e negros obedecem. Somente a reflexão crítica sobre a sociedade e sobre a própria condição pode fazer um indivíduo, mesmo sendo negro, enxergar a si próprio e ao mundo que o circunda para além do imaginário racista”.
Torço para que você reflita sobre a sua condição e em vez de deslegitimar as lutas do movimento negro, busque construir formas de empoderamento para o nosso povo.
Por fim, espero que tenha paz na sua caminhada. Porque as divergências políticas não nos tornam inimigos.
Somos, antes de tudo, negros em diáspora. Temos origem comum, lá no continente africano.
Conforme a filosofia Ubuntu, estamos conectados. “Eu sou porque nós somos”.
Cordialmente,
Marcos Sacramento