Portugal contribui para feito pioneiro: alterar a trajetória de um asteroide
by João ToméA GMV Portugal está a contribuir em vários projetos da Agência Espacial Europeia, diz-nos a sua diretora
A exploração do espaço é um trabalho de colaboração entre várias entidades e a Agência Espacial Europeia (ESA) é disso exemplo. Nesse contexto, a GMV (multinacional espanhola especializada na área) é uma das empresas que mais contribui para o projeto espacial europeu.
Enviámos algumas questões para a diretora de Espaço em Portugal da GMV, a engenheira de sistemas Teresa Ferreira, a propósito do Conselho Ministerial da Agência Espacial Europeia (ESA), evento que definiu já valores recorde de investimento para os próximos tempos e que decorreu esta quarta e quinta-feira em Sevilha.
A especialista aborda o papel da empresa na participação em vários projetos da ESA e como a equipa em Portugal – uma das maiores a nível europeu – está a contribuir para esses projetos que envolvem serviços baseados em navegação por satélite e deteção remota, através da participação em grandes programas europeus como Galileo e Copernicus.
Um dos projetos mais entusiasmantes é feito em parceria com a NASA e dá pelo nome de HERA, que mais não é do que uma sonda da ESA que irá analisar um asteroide cuja órbita será desviada pelo impacto pela sonda DART da NASA. Cabe à sonda da Agência Espacial Europeia registar e analisar o que se passa a seguir e o nível de sucesso da missão conjunta.
E porque é que isto é importante para os seres humanos que habitam no planeta Terra? “Será a primeira vez que a humanidade conseguirá alterar a trajetória de um asteroide de forma artificial”. Ora, essa ação pioneira “será percursora para a defesa planetária” contra asteroides ou outros objetos que possam causar danos catastróficos na Terra. E a GMV Portugal, diz-nos Teresa Ferreira, está a liderar num componente decisivo para a missão: “o sistema de controlo que executará as diferentes manobras nas imediações dos asteroides assim como o nível de autonomia (partilha de decisões entre a Terra e a Bordo da sonda)”.
Entretanto, foi decidido no Conselho Ministerial de Servilha um valor recorde de investimento para os próximos anos e missões da Agência Espacial Europeia para levar astronautas europeus à Lua até 2024.
Segue-se o depoimento de Teresa Ferreira:
O que é que este Conselho Ministerial da ESA significa para a GMV?
A Agência Espacial Europeia (ESA) é a porta de acesso da Europa ao Espaço. Trata-se de uma agência intergovernamental composta por 22 estados membros e criada em 1975, à qual Portugal aderiu em 2000, iniciando a primeira vaga de grande desenvolvimento tecnológico neste setor. A sua missão é planear o desenvolvimento da capacidade espacial da Europa e assegurar que o investimento no Espaço continua a trazer benefícios para os cidadãos europeus. A ESA opera na base do retorno geográfico, ou seja, o investimento de cada Estado membro é recuperado através de contratos industriais para programas espaciais, num valor proporcional à contribuição de cada país.
Cada estado membro está representado no Conselho da ESA, com um voto respetivamente. Este conselho reúne-se regularmente a nível Ministerial para definir as linhas de ação, prioridades e missões, assim como os respetivos envelopes financeiros para o próximo período e por isso tem um impacto extraordinário na definição do sector.
O Conselho Ministerial, denominado ‘Space19+’ que decorreu agora permitiu apresentar o envelope financeiro em questão e, depois, existem programas obrigatórios, para os quais os estados membros têm uma comparticipação fixa obrigatória, proporcional ao PIB Nacional e os programas opcionais, para os quais os estados-membros são livres de investir de acordo com as suas prioridades e estratégias nacionais de Espaço.
Quais são as tecnologias/projetos mais entusiasmantes em que a GMV está a trabalhar neste momento e que promessas encerram?
A GMV vive atualmente um dos melhores momentos da sua vida (e estamos a falar já de 35 anos de atividade). Fundada em 1984 e tendo dado os seus primeiros passos no domínio do Espaço em atividades como análise de missão, dinâmica de voo, centros de controlo e navegação por satélite, a GMV tem vindo a crescer desde então e a diversificar os seus mercados de atuação. A GMV opera hoje em áreas como o espaço, aeronáutica, defesa, banca e finanças, saúde, cibersegurança, sistemas inteligentes de transporte, telecomunicações e tecnologias de informação para administração pública e grandes empresas. Em todos os setores este grupo empresarial ocupa uma posição de referência no mercado e tem neste momento projetos bandeira como:
– Programa Galileo: A adjudicação há pouco mais de um ano do contrato para a manutenção e evolução do Segmento de Controlo do Sistema Galileo foi um marco extraordinário e o culminar de um trabalho da empresa de muitos anos. Foi com grande orgulho e grande responsabilidade que assumimos este projeto assente na confiança numa equipa de profissionais de excelência. Representa um grande salto qualitativo para a GMV e o principal vetor de crescimento da empresa.
– Serviços Operacionais baseados em Observação da Terra: a GMV Portugal é um dos fornecedores de dois dos seis serviços dos Programa Europeu Copernicus: Serviço de Segurança (Vigilância de fronteiras para FRONTEX e Suporte às ações externas para SATCEN) e do Serviço de Emergência (Mapeamento Rápido).
– Veículos Inteligentes e Autónomos: a GMV lidera sistemas de otimização de transportes, como por exemplo através de programas como o Transporte a Pedido que permite uma definição à medida das trajetórias dos transportes de acordo com as necessidades de cada dia numa determinada zona. Recentemente a GMV estabeleceu um contrato para o desenvolvimento de tecnologias de posicionamento para uma nova geração de veículos autónomos da BMW.
De que forma os escritórios / laboratórios em Portugal estão a contribuir para esses projetos?
A GMV em Portugal tem vindo a trabalhar em muitos dos tópicos em discussão neste Conselho Ministerial com destaque para:
– A GMV tem um papel de destaque na missão HERA cujo destino [programa vai mesmo avançar] foi decidido neste Conselho Ministerial da ESA – na qual se definem as políticas e financiamento do próximo triénio. A missão HERA está articulada com a missão DART da NASA e visa o sistema binário de asteroides constituído por Didymain (780 m de diâmetro) e Didymoon (160 metros de diâmetro). Numa primeira fase, a sonda DART da NASA irá colidir com o Didymoon. A sonda HERA da ESA irá em seguida analisar a cratera, constituição do asteroide e desvio da órbita provocado pelo impacto. Será a primeira vez que a humanidade conseguirá alterar a trajetória de um asteroide de forma artificial. Um percursor para a defesa planetária. A GMV Portugal está a liderar um componente especialmente decisiva para a missão: o sistema de controlo que executará as diferentes manobras nas imediações dos asteroides assim como o nível de autonomia (partilha de decisões entre a Terra e a Bordo da sonda).
(O guitarrista e letrista dos Queen e astrofísico Brian May explica o projeto Hera)
– A GMV está a desenvolver o sistema de controlo automático para o módulo orbital do vaivém espacial Europeu – Space Rider – cuja exploração comercial está prevista para 2025. Para além do módulo orbital que ficará alguns meses a orbitar a Terra, o módulo de reentrada do Space Rider poderá via a aterrar nos Açores. A GMV tem vindo a contribuir ativamente para o desenvolvimento do banco de testes deste Módulo de Reentrada. O Space Rider visa albergar experiências em microgravidade assim como oportunidades para demonstração de tecnologia para observação da Terra, Ciência, Telecomunicações e exploração robótica.
– Na área de New Space, a GMV especializou-se em tecnologia com vista a uma exploração comercial, verde e segura do Espaço, nomeadamente na área de aviónica e micro-lançadores assim como na remoção de detritos espaciais.
Que projetos tem a GMV nesta área do lixo espacial? Como é que pode ser uma área de negócio para talento e startups portuguesas? Que valor económico pode significar em anos vindouros?
Dentro do quadro do lixo espacial, a GMV centra as suas investigações e desenvolvimentos em duas áreas principais: por um lado, em atividades de monitorização e seguimento desses detritos, evasão de colisões, deteção de fragmentos em órbita e análise de riscos de objetos que reentrem na atmosfera terrestre; por outro lado, em projetos para a eliminação de detritos espaciais (Active Debris Removal). De facto, a GMV encontra-se na dianteira nos campos de análise de missão e desenvolvimento dos sistemas de controlo automático para veículos que façam a remoção de detritos espaciais. Estes veículos são altamente ágeis e equipados com conjuntos de sensores e manipuladores robóticos capazes de se aproximar de detritos espaciais com várias vezes o seu tamanho, atracar e proceder à sua remoção.
O controlo automático é particularmente desafiante porque nem sempre o movimento e integridade estrutural dos detritos a recolher é conhecido à partida, e o risco de colisão e criação de mais detritos é elevado. É fundamental controlar meticulosamente o movimento do veículo rebocador e dos seus braços robóticos (ou outros métodos de captura como redes). A GMV Portugal especializou-se neste campo e lidera hoje muitos dos projetos mais avançados da Agência Espacial Europeia – ESA. No campo institucional destacam-se atividades no âmbito do programa CleanSpace e dos contratos da ESA para remoção do seu maior satélite desativado, o Envisat, com 8 toneladas.
A equipa portuguesa da GMV concebeu e equipou ainda o novo laboratório da ESA, em que maquetes e elementos robóticos simulam mecânica e opticamente as operações de proximidade destes veículos. A GMV acredita que este tipo de atividades terá um grande impacto económico a curto-médio prazo.